Carnaval das águas - Cordão Última Hora

 

ÚLTIMA HORA: Como tudo começou?

 

Por: Arodinei Gaia*

 

            O interior cametaense, por tradição, tem folia carnavalesca que é improvável de se encontrar em qualquer outro lugar do mundo. Tal manifestação é fruto da criatividade do caboclo da Amazônia somado as características do ambiente social das comunidades ribeirinhas.
Imagem: arquivo do Cordão Última Hora

            O ato de se apropriar da manifestação carnavalesca das regiões urbanizadas, das grandes cidades e reelabora-lo, resignificá-lo e adaptar à realidade social, cultural, econômica do interior cametaense foi uma verdadeira façanha.

            O Cordão dos Mascarados, ou cordões já que existem muitos grupos, é o maior exemplo de como a criatividade somada a necessidade de diversão, de distração, permitiu ao caboclo ribeirinho “criar” um carnaval diferente do que normalmente se está acostumado a ver. Esses grupos de mascarados originaram o que denominamos de “Carnaval das águas”, uma vez que os blocos saem de barco dançando e se apresentando nos salões comunitários e casas particulares. 

Fonte da imagem: Raimundo Paccó @paccoRaimundo

            Um desses renomados grupos de folia ou bloco, que surgem nos rios paridos pela criatividade popular no período de carnaval, é o cordão Última Hora da localidade ribeirinha de Tentém.

O cordão “Última hora”, surgiu da festa de aniversário de um jovem, mais ou menos pelos anos de 1930, não se sabe ao certo, pois o aniversariante já é falecido há muitos anos e quase todos daquela época, também já se foram. Apenas um dos fundadores está vivo, e guarda na memória resquícios daquele tempo longínquo. Porém o ano exato é impreciso em suas lembranças, acredita-se que tenha sido no ano de 1934.

Esta festa de aniversário foi programada com uma ladainha, rezada por homens, como era a  tradição na época em ações de graças, sob a luz das foscas lamparinas. Em seguida, a animação da noite ficou por conta do “Samba de Cacête” que chamava o povo para riscar o salão aos goles da saborosa gengibirra. As saias rodadas das mulheres eram as donas do salão. Com a inexistência de energia elétrica na época, os instrumentos de pau e corda ou os de sopro como o jazz, eram os mais utilizados nas festividades interioranas.

Os amigos do aniversariante, resolveram fazer uma surpresa a ele, uma brincadeira para surpreende-lo. Então, secretamente fizeram máscaras improvisadas e na noite do aniversário se prepararam e rumaram para residência do aniversariante. Eram mulheres vestidas de homem e homens vestidos de mulheres, todos mascarados, vestidos com roupas comuns. Aguardaram no porto da residência até o Samba-de-Cacête começar.

Quando os cantadores tiraram a 1ª fornada, os mascarados subiram, entraram e dançaram umas duas fornadas. Cumprimentaram o aniversariante e outros amigos presentes e foram embora sem serem reconhecidos, mantendo o mistério e o segredo da brincadeira. Lembrando que naquele período os blocos de carnaval não tinham costume de aceitar mulheres como brincantes, mas neste caso não era um bloco, mas sim um grupo de amigos mascarados, talvez por isso pode ter tido a presença feminina entre os eles.

Era mês de fevereiro, e seu Atílio Ranieri e José Batista (conhecido como Zé Bicheiro), já falecido, gostaram da brincadeira e convidaram outros amigos da época, para brincarem o carnaval. As máscaras eram confeccionadas em fôrmas de barro e forradas com papel, hoje já tem outra matéria prima como garrafa de vinho descartável.

Como estava em cima da hora, o tempo já quase esgotado, se prepararam caprichosamente mas as pressas e saíram para brincar com o nome de “Última hora”. O nome “última hora” não se aplica hoje na organização do grupo, pois este é bastante organizado, nada é em cima da hora, muito pelo contrário o ano todo existe uma atenção especial no preparativo do bloco para o período carnavalesco.

O cordão que outrora não aceitava a presença de mulheres - eram os homens que se vestiam de mulheres - anos depois abriu espaço para elas também fazerem parte da folia. Assim, quando o barco risca o rio com o grupo dançando, ali vai homens, mulheres, jovens e até crianças fazendo e brincando o carnaval, inclusive os filhos e filhas de seu Eulálio estão presente no grupo.

Hoje, Vital Batista (O vital I) e Eulálio Tenório dos Santos (O vital II), Mestres de Cultura, são os responsáveis por manter de pé ainda hoje o Cordão do Última Hora e a tradição da folia do carnaval das águas no interior cametaense.  

 *Arodinei Gaia de Sousa, historiador, escritor, professor - Cametá-Pa, 2021.
Instagran: @arodineigaia - Facebook: AroDinei Gaia 

Imagem: arquivo do Cordão Última Hora

Imagem: arquivo do cordão Última Hora

Imagem: arquivo do Cordão Última Hora


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