UM PEDAÇO DE ANTIGAMENTE EM 2021
Por: Arodinei Gaia*
Deslizando o rio Tocantins no sentido Cametá-Tucuruí, os olhos são presenteados pela beleza natural que nos acompanha em todo o trajeto da viagem. A dinâmica da vida do ribeirinho é outra imagem a se contemplar.
Há contudo, uma outra belíssima imagem que nos chama a atenção, trata-se do Sítio Samuhuma, localizado na entrada do rio Santana no município de Mocajuba no estado do Pará. O Rio Santana, um braço do extenso Tocantins, guarda essa preciosa riqueza histórica na sua margem, um lugar onde parece que o tempo congelou e se recusou a avançar rumo ao século XXI.
O sítio Samuhuma, formado por um imponente casarão, decorado por objetos que há muito tempo já não fazem mais parte do dia a dia do cotidiano da sociedade moderna, tem no seu entorno uma vegetação formada por um chão gramado, que lembra chão de uma chácara, um jardim colorido e uma diversidade de árvores nativas e plantadas que nem parece com o habitual cenário da vida ribeirinha do interior paraense. Na verdade é um misto de paisagem ribeirinha com cenário de uma antiga fazenda.
O casarão, que lembra um tempo em que o interior foi dominado pelas oligarquias rurais (principalmente do cacau e da seringa), foi construído em meados do século XVIII, segundo documentos oficiais encontrados. Sabemos que, de acordo com informativo guardado no casarão, o sr. Manoel Barroso Bastos Vergulino, no ano de 1782, adquiriu a posse do sitio, ou seja, não foi o construtor, o que nos permite concluir que a propriedade já existia bem antes dessa data.
No decorrer do século XVIII, XIX e XX a posse e administração do sítio passou pela mão de vários mandatários, como o comerciante Leonel Henriques, que no ano de 1859, arrendou a terra por uma quantia de 500 mil réis anuais, pago com o lucro da exploração de produtos como cacau e a extração do látex da seringueira. Leonel, depois de idoso passou a administração dos negócios a seu filho Raymundo Henriques, conhecido, na redondeza, como coronel Dico, cuja biografia revela que ele foi prefeito de Mocajuba e senador do Estado do Pará, este, tomou conta da propriedade até o ano de 1949, quando veio a falecer.
A partir dessa data o sitio Samuhuma é assumido pela família Mendonça, herdeiros do coronel Dico, sob o comando de José Oscar de Mendonça Vergolino e seu filho José Henriques Ortís Vergulino, que passaram a tutela administrativa para as mãos da família Maia, inicialmente com Amado da Silva Maia e atualmente com seu filho Benedito Gama Maia, conhecido na região como B. Maia, anfitrião que recebe os visitantes e que completou 80 anos no início de janeiro de 2021, período em que estive no casarão com seu sobrinho Rui Sérgio Maia e familiares.
O casarão, guarda muitas peças de valor histórico incalculável, e o seu B. Maia é o guardião que preserva todo esse acervo e mantém de pé o casarão, podendo assim, nos permitir conhecer uma época que só é possível por meio da história.
Balança de pesar cacau e látex com pesos de até 50 kilos, o trole onde outrora o cacau era secado ao sol pelas mãos calejadas dos cativos, talha e pote de beber água, fogão de lenha onde escravos trabalharam na cozinha, forno de preparar sabão de cacau e até folhas de papeis amareladas pelo tempo onde era registrado o fiado do comércio, são elementos que enriquecem o acervo histórico do casarão/museu.
O casarão mostra sua imponência pelas enormes portas na frente da residência, no total de sete olhando para o rio e outra dezena na extensão da sala até a cozinha. A sala do comércio com grandes prateleiras, salas de escritório onde descansa a memória dos antigos moradores representados nas paredes pelas antigas fotografias emolduradas e desgastadas pelo tempo, são espaços que nos permitem viajar na história. Um longo corredor liga a parte da frente com a cozinha da casa. Várias salas, quartos e depósito de produtos da floresta, sala de força e luz que antigamente fornecia energia em parte do horário da noite, etc. são elementos que nos fazem pensar que estamos dentro do cenário de uma novela de época.
B. Maia, ex-vereador em Mocajuba, um homem extrovertido, com uma educação cavalheiresca, recebe o visitante com um sorriso saudosista e nunca se nega fazer uma caminhada turística contando histórias e estórias dos antepassados, da vivência e funcionalidade do antigo casarão.
A noite, o medo do desconhecido, fruto do imaginário interiorano e o frio trazido pelo sereno e movimento da maré combinado com o olhar da lua, nos obriga a buscar o conforto da rede já atada na enorme varanda ou nas salas onde habita o passado da família. Pela manhã, há o cheiroso café com sabor de vida no campo. Ainda é possível se aquecer do frio no nostálgico fogão de lenha com uma linda vista para o mato molhado pelo sereno da noite, de onde brota um leve odor de bugarim plantada no terreiro.
Turistas, artistas, pesquisadores são visitantes que sempre estão em busca de conhecimento acerca do sitio Samuhuma, ou simplesmente conhecer e se sentir um pouco “nos tempos de antigamente”. Um banho no rio Santana e uma visita a cidade de Mocajuba são outros atrativos da viagem.
Uma visita de cunho pedagógico pelo local, transforma-se em uma importante aula de história, onde pode-se levar o estudante a discutir, entre outros conteúdos, a exploração escravocrata e o poder das oligarquias na região. Porém o sitio Samuhuma, dentro do casarão, na margem do rio Santana e no terreiro, tem elementos para aulas de geografia, biologia e química, assim como, também é possível encontrar elementos para temáticas de cunho sociológico, matemático, físico e física, e também literário.
O casarão/museu que já foi matéria de programa de televisão (Brasil Legal da Regina Casé), tema de trabalhos acadêmicos da universidade e sempre visitado pela cantora Gabi Amarantos é, efetivamente, um pedaço de antigamente que resiste ao tempo, e nos mostra retalhos de um tempo que o tempo já apagou, mas que pelos olhos da história ainda podemos ver.
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